Bebê Reborn ou Democracia: O que realmente importa?
- Jerusa Furbino
- 11 de jun.
- 3 min de leitura

Nas últimas semanas, teve um assunto que dominou as redes sociais e as rodas de conversas aleatórias de botequins. E esse assunto foi o tal do “Bebê Reborn.”
O que mais me chamou atenção nisso tudo foi o fato de atribuir às mulheres que gostam dos tais bebês de brinquedo o título de loucas. Ora bolas, a princípio brincar de bonecas pode ser comparado à pelada de fim de semana dos homens ou aos seus videogames. Os homens podem continuar a brincar com seus brinquedos infantis por toda uma vida e nunca serão chamados de loucos. Mas nós, as mulheres, sempre seremos chamadas de loucas por qualquer escolha nossa - inclusive por querer brincar de bonecas.
Fico imaginando que o termo “loucura” é quase um sinônimo atribuído pelos homens ao gênero mulher. A mulher que grita é histérica, a que decide não ter filhos é fria, a que ama demais é desequilibrada, a que brinca de boneca, infantil ou doente. A régua da sanidade parece ter um lado só - o deles.
Em um mundo onde a solidão é um mal crescente e dilacerante para seres sociais como nós, brincar de bonecas para algumas mulheres pode ser reconfortante. Pode ser uma forma simbólica de lidar com a ausência, de preencher espaços vazios, de cuidar, ainda que num gesto lúdico, daquilo que a vida talvez tenha negado ou retirado. Enquanto uns fazem terapia, outras bordam, correm maratonas, criam terrários... e outras cuidam de bebês de silicone. Quem somos nós para julgar?
Você pode estar pensando enquanto lê: “Mas e aquelas mulheres que levaram os seus bebês reborns ao SUS, ou tentaram se aproveitar da situação para passar na frente de uma fila?”
Sim, tudo tem um limite. Uma mulher adulta resolver brincar de boneca, sabendo que aquilo é uma fantasia, uma distração, um passatempo, um reconforto para ela, está tudo bem. Afinal, já dizia Raul Seixas, propagando a lei de Thelema: “Faça o que tu queres, pois é tudo da lei.”
Agora, enganar, forjar favorecimentos indevidos, usar a máquina pública para atendimento médico de um boneco, ultrapassa a razoabilidade. Isso, e apenas isso, pode ser considerado um indício de transtorno mental - e mesmo assim, com cautela. Mas o que se viu foi uma caça às bruxas. Mais uma vez, uma escolha feminina virou espetáculo. E o adjetivo “louca” apareceu rápido demais, fácil demais, como se estivesse sempre ali, à espreita, pronto para rotular qualquer mulher que ousa viver conforme sua vontade.
E enquanto isso… enquanto toda essa discussão sobre um brinquedo realista viraliza, enquanto os debates se inflamam sobre a sanidade de mulheres que cuidam de bonecos, quase ninguém fala sobre o que realmente importa.
Estamos em um momento decisivo para a democracia brasileira. Está em julgamento no STF a tentativa de golpe do ex-presidente Jair Bolsonaro. E o que vemos nos trendings? Hashtags sobre bonecos, memes sobre “mães de mentira”, e debates inflamados sobre brinquedos - tudo muito conveniente. A direita clama por anistia, a esquerda rebate exigindo justiça, e o povo, distraído, segue discutindo sobre bebês de silicone.
É como se estivéssemos no teatro de bonecos. Só que os bonecos reais estão no Congresso, no Planalto, em cargos públicos, decidindo o destino de um país enquanto a plateia se distrai com o boneco errado.
A democracia está sendo lentamente corroída. A cada minuto em que desviamos nossa atenção, se articula nos bastidores mais um ataque ao estado democrático de direito. Mas estamos ocupados demais julgando quem cuida de um boneco que, no fim das contas, não faz mal a ninguém.
Enquanto nos perdemos em discussões tolas, a democracia é violentada a todo momento. E quando finalmente acordarmos, talvez já tenham levado o que tínhamos de mais real.
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