Fuga – Crônica desabafo de Jerusa Furbino
- Jerusa Furbino

- 2 de abr.
- 2 min de leitura

Fuga – Crônica desabafo de Jerusa Furbino
Hoje acordei querendo fugir. Mas não obtive sucesso na fuga. Era uma fuga só por hoje. Deixar o almoço por fazer. Não cuidar da filha que me chama de idiota e me manda calar a boca cada vez que tento esclarecer que suas doenças semanais são frutos de uma somatização causada por ansiedade e estresse. Mas ela não quer saber de mudar. Quer continuar sendo um vulcão em constante erupção. Como eu odeio ser mãe dessa adolescente revoltada, sem causa.
Por isso eu queria fugir ao abrir os olhos pela manhã, depois de ter ido dormir mais de uma da manhã, horário da alta no hospital, após ela ter ficado cinco horas tomando medicação, fazendo tomografia do estômago, para descobrir que não há nada de errado. "Deve ser uma virose", disse a médica. E eu sei que é ansiedade, mas ela – a filha, não a médica – não quer mais fazer terapia. Disse que todas as terapeutas que eu arrumei para ela são mais loucas que ela.
Talvez seja um ciclo. Uma sequência infinita do mesmo. Uma sequência infinita de reclamações. Uma sequência infinita de coisas inúteis que as pessoas cismam em dar sentido. Para todo lugar que se gira, o ciclo para no mesmo lugar. Não há saída, não há alternativas. Nossa, isso parece demasiadamente pessimista. Mas eu não estou falando de mim. Estou falando dessa adolescência que parece que não passa, que transformou a birrenta da minha filha na sem educação e cavala que me manda calar a boca quase todos os dias.
Sim, estou cansada. Digo a mim mesma: aguente mais um pouco. Sua “obrigação” de mãe termina assim que ela atingir a maioridade. É uma ilusão. Mas eu uso esse mantra para aguentar mais um pouco. No ciclo das coisas idiotas que inventamos para sobreviver a relações familiares abusivas.
Hoje disse isso a ela. Que ela é, ou está sendo, abusiva comigo. Pois eu não sou ignorante com ela. Quando falo que ela precisa aprender a respirar e lidar com suas emoções, quero o seu bem. Mas ela me manda calar a boca. Não quer escutar. Com o pai, então, ela é pior ainda. Eu não sei até onde esse monstro irá parar. Ou essa fase passa, ou eu passarei para longe dela.
Talvez, quando um dia ela ler esta crônica, entenda o porquê de eu ter decidido me afastar. Já fica o recado: não vou mais tolerar suas grosserias comigo. Me sujeito a isso agora porque dizem os especialistas e a lei que essa fase passa. Mas, se não passar, eu passarei. Essa é minha ameaça.
Desejo que você se acalme. Que possamos nos suportar por amor e não por obrigação. Tem sido difícil te amar. Não vou ficar passando pano para suas agressões e achar que o amor não pode acabar. Ele pode sim. Isso não é uma ameaça. Isso é entender que ninguém pode me maltratar desse jeito – nem você, que foi gerada e parida por mim.
Meu amor não é incondicional, como a maioria das mães “perfeitas” gostam de despejar em seus discursos maternais. Aliás, quantas mentiras as mães inventam para tentar sobreviver à maternidade?



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