Viúva Negra: Quando o amor e a dor compartilham o mesmo beijo
- Jerusa Furbino

- 27 de set. de 2024
- 2 min de leitura

Viúva Negra: Quando o amor e a dor compartilham o mesmo beijo
Há histórias que não são para serem contadas, como a de hoje.
Eu não queria lembrar mais do dia que vi seu corpo cair em cima do meu enquanto dávamos o primeiro beijo.
Você simplesmente desligou da tomada e partiu.
Outro dia ouvi de uma amiga, que você expirou a validade, assim como os produtos perecíveis que compramos no supermercado.
No primeiro momento, achei graça da comparação, para dores grandes, só piadas ácidas tem o poder de dissolução.
Engraçado que ainda lembro que sua boca estava quente, antes de os olhos se serrarem de forma definitiva.
O que ninguém me contou, e que descobri depois, é que luto não tem prazo de validade. Ele fica ali, empilhado na prateleira do peito, junto aos outros sentimentos que ninguém se apressa a consumir. Com o tempo, vira algo estranho, que você quase esquece que está lá, até sentir o gosto amargo que nunca foi embora.
Pode até parecer ridículo, mas criei uma espécie de cacoete mental. Sempre que passo pelos corredores do supermercado e vejo as etiquetas de validade, me pego lembrando da sua...
Minha amiga me contaminou com essa ideia e, desde então, filosofar sobre produtos perecíveis virou rotina. Fico pensando: será que as frutas maduras demais têm consciência de que estão no fim? Será que as latas amassadas sabem que perderam valor? Não sei se sinto pena delas ou de mim.
A comparação virou um hábito corrosivo, um jeito meio torto de dar sentido ao absurdo. Se somos todos perecíveis, será que alguém controla quando a gente vence? A sua data veio antes da minha, mas e se a gente pudesse trocar isso?
Às vezes, penso: e se eu pudesse devolver você no caixa, junto com as mercadorias que já não servem? Talvez até recebesse um troco simbólico, quem sabe um restinho de paz, embrulhada em um desses saquinhos plásticos finos, que rasgam à toa. Mas a vida não tem essa política de devolução, e certas mercadorias, uma vez levadas, ficam com a gente pra sempre, ocupando espaço, mesmo vencidas.
Mas no fundo, a gente sabe que certas mercadorias não têm troca. E há histórias que não são para serem contadas...



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