Ode-à-Tristeza
- Jerusa Furbino

- 12 de nov. de 2024
- 3 min de leitura

Ode-à-Tristeza
Há uma coisa bonita em mim.
Não tenho medo de admitir.
Eu admiro a minha tristeza;
nela enxergo tanta beleza.
Enquanto o imortal poeta Friedrich Schiller,
em sua Ode, diz: "A Alegria é a bela filha de Elisio",
eu, em minha Ode, digo: "A Tristeza é a bela filha de Nix."
Mas, entenda: este poema ou prosa poética
não é para falar do paraíso onde são levadas as almas boas
ou de qualquer fascínio que a noite possa provocar.
É para falar da bela tristeza: minha irmã gêmea que ninguém nunca conheceu.
Como uma fotografia marcada pela memória,
lembro-me de mim, bem nova, sentada na beirada da janela,
testando a potência da minha goela,
fazendo ecoar gritos para a tristeza ali ficar.
E a tristeza ali ficava.
A Tristeza
aliviava, ahhhhhhhhhhh...
Parecia passe de mágica.
Era bonito ver a voz converter a tristeza
em qualquer outra coisa que já não mais me fazia chorar.
Os vizinhos já não mais se assustavam;
talvez entendessem a tristeza da menina
por já carregarem as suas malas cheias de prantos.
Do grito, às lágrimas.
Das lágrimas, ao grito:
um ritual, uma passagem para lugar nenhum,
uma porta sem entrada e sem saída,
que sempre chega sem avisar
e vai embora sem precisar colocar vassoura atrás da porta.
É assim a tristeza que carrego em meu peito.
Às vezes, ela vem com o abrir dos olhos meus, em manhãs de céu azul com nuvens brancas.
Às vezes, aproveito a ardência das cebolas, enquanto faço carne moída com batatas cozidas, ouvindo "Coração Selvagem" de Belchior.
Às vezes, ela se encanta com a lua cheia que nasce entre os dorsos dos prédios do bairro Serra.
Às vezes, a desculpa perfeita é a saudade da maré cheia e do sol escaldante iluminando a areia de uma praia qualquer.
Viu só? Minha tristeza não obedece a calendários, nunca marca hora ou lugar.
Ela caminha entre os dentes que dizem "xis" para a foto que foi parar no feed do Instagram.
A tristeza que me balança tem o mesmo embalo da rede vermelha que enfeita a minha sala.
Sempre fui apaixonada por redes; elas embalavam meus sonhos de menina até minha mãe cansar de me empurrar no eterno vai e vem e me fazer dormir em uma cama com colchão duro e sem movimento.
Acredito que foi aí que a minha tristeza se instalou de vez.
A menina que teve que aprender a dormir no colchão, hoje, mulher, corre para a rede para organizar pensamentos que cismam de arrancar lágrimas de seus olhos.
Mas quero voltar à janela com grades, que segurava meu corpo miúdo para que eu não caísse, enquanto deixava o rastro do eco da tristeza partir.
Hoje, se posso, seja em terras onde se pisa na dor ou em águas onde se molha os medos,
eu deixo o grito fazer o seu papel de novamente assustar a tristeza.
O que eu posso concluir disso tudo é que morrer é metafórico para quem sabe da importância de se ter triste para poder ser feliz.
Sinto-me como a mulher retratada pelo poetinha Vinicius de Moraes, no Samba da Bênção, onde, na transcendência da cadência do samba, ele diz:
"Uma mulher tem que ter qualquer coisa além de beleza; qualquer coisa de triste; qualquer coisa que chora; qualquer coisa que sente saudade; um molejo de amor machucado; uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher."
E aqui dentro de mim, eu sempre soube que meus sentimentos, ao se misturarem aos meus pensamentos, carregariam a mala da tristeza sem reclamar.
Entendi que a tristeza pode até me atormentar, mas não vai me matar.
Porque quando a vida balança, eu preciso lembrar da criança que gritava na janela e assustava a tristeza com seus berros.
No final, a tristeza é só uma menina assustada, que foge ao primeiro
"AHHHHHHHHHHHH..."




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