Vidrado - Um apeixonado!
- Jerusa Furbino
- 25 de jul.
- 2 min de leitura

Vidrado - Um apeixonado!
Crônica de Jerusa Furbino
Era pra ser só um almoço de domingo. Nada demais. A casa dos amigos era simples, eles também - gente boa, riso fácil. Um encontro leve: conhecer novas pessoas pra mim, rever velhos amigos pro meu namorado.
Logo que entrei, vi um aquário encostado na parede. Pequeno. Com um peixe grande lá dentro. Mas, sinceramente, não dei muita bola. Afinal, havia duas gatas esparramadas no sofá, um cachorro elétrico que parecia ter bebido café, e uma menina sorridente que surgiu com um periquito no ombro, me apresentando o bichinho como quem apresenta uma celebridade esquecida. O peixe ali era só mais um elemento no zoológico doméstico.
Enquanto os homens saíam para comprar cerveja e petiscos, eu fiquei com a esposa do amigo. Conversa boa, daquelas que fluem fácil: livros, trabalho, filhos, vida. A tarde escorreu preguiçosa, o almoço quase virou jantar.
Foi só quando me sentei para comer que as coisas começaram a sair do roteiro.
Poc. Um som seco no vidro. Olhei de lado. O peixe, o mesmo de antes, que até então parecia mais decorativo do que vivo, me encarava. Olhos redondos, fixos, atentos. Achei que fosse acaso. Voltei ao prato.
Poc. Outra cabeçada. Direta, decidida. Na minha direção.
Levantei. Ele me seguiu com os olhos. Sentei em outro lugar. Lá vinha ele nadando rápido, boquinha aberta. Parou bem na minha frente e... poc. Nova batida. Sem cerimônia, sem vergonha. Estava, claramente, me cantando.
Dali em diante, o almoço virou triângulo amoroso. Aonde eu ia, Thanos - sim, o nome dele é Thanos! - me seguia. Se eu ficava em pé, ele vigiava. Se eu me sentava, ele batia no vidro. Uma sedução silenciosa e aquática. Boquinha aberta, como quem quer me dar um beijo, ou me comer viva, difícil dizer. O olhar fixo, vidrado. Literalmente.
Meu namorado, coitado, tentou manter a pose. Mas ali se instalava uma crise diplomática: ele, o oficial; Thanos, o insurgente.
- Daqui a pouco esse peixe quebra o vidro e te morde, disse, tentando parecer brincalhão. Mas eu senti a tensão. A rivalidade. Era oficial: ele agora tinha um concorrente. A tensão estava no ar. No ar e na água.
Todos riram. Disseram que o peixe nunca tinha agido dessa maneira com ninguém, que eu teria que levar o aquário para o peixe não sofrer de amor.
Até hoje me pergunto o que aconteceu. Foi meu shampoo? Meu signo? Um carisma especial detectável por peixes carnívoros? Nunca saberei. Só sei que aquele peixe, naquele aquário minúsculo, me encontrou.
E eu encontrei uma história impossível de contar sem parecer doida. Mas real. Intensamente real. Com direito a olhos esbugalhados e batidas apaixonadas no vidro.
Desde então, meu namorado me olha torto toda vez que passo por um aquário.
E eu? Eu só rio.
Afinal, não é todo dia que você vira o amor platônico de um peixe chamado Thanos.
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