Carta para ela- amor de filha
- Jerusa Furbino
- 13 de ago. de 2024
- 3 min de leitura

Carta para ela
Por tanto tempo, repeti em terapia que você era o exemplo do que eu não queria ser ao envelhecer. Isso porque você perdeu o viço, a alegria. Se fez sedentária e reclamava de dores diárias. Eu me cansava de ouvir tanta reclamação sem ação, só inércia. Tentei te fazer caminhar, tentei te fazer interagir com algum grupo de terceira idade, mas você disse que não gostava de velhos. E você era o quê? Eu me indagava em pensamentos.
Tentei fazer você parar de se entupir de remédios, mas você dizia não conseguir dormir sem o Rivotril. Havia remédios para tudo: dores, pressão, ansiedade, pânico. O único lugar que você ia sem reclamar era para o médico. Visitas quase mensais, às vezes semanais. Muitas internações, muitas tardes em hospitais. Eu desisti de tentar te animar, deixava você só acordar, comer e reclamar. Todo dia a mesma ladainha. E, de repente, a ladainha parou. Você se foi.
Na terapia, continuo a querer uma velhice mais saudável, com passos firmes, cabeça boa e bom humor. Mas agora tem a saudade. Tem a gratidão pela vida. Tem a vontade da bênção que não tive quando eu quis. Quero relevar as pragas e maldizeres, guardar os afetos que havia me esquecido, mas que a falta faz brotar. Quero deixar para trás as brigas, lembrar que a última frase que disse para você antes da sua partida, enquanto você tomava seus remédios para dormir, foi uma frase boa: “Vai tudo ficar bem, tudo vai dar certo.” E no dia da prova de vida, a vida, em sua ironia, te levou para os braços de seus pais. Espero que tudo esteja bem por aí. Tem muita gente boa aí em cima para você conversar e passar o tempo.
O tempo aqui passa rápido. Tem dias que nem vejo a saudade bater, mas ela bate pontualmente. Tenho sonhado muito com você. Agora vou guardar a mãe xodó que me inspirou a escrever minha primeira poesia, lembra? A poesia ficou em um quadro que te dei e que ficava do lado da sua cama. Talvez esse seja o nosso elo mais forte: a poesia. Taí uma coisa que lembro do seu orgulho quando te entreguei meu primeiro livro. Você me disse que estava feliz por eu ser poeta. “Rabiscos”, meu livro de revelação, me trouxe a emoção de sermos só nós duas e um amor em comum. Se as adversidades da vida trouxeram ranhuras para nossa relação, a poesia era sempre o nosso remendo, nossa cola, nossa costura.
Em todo livro lembrarei de ti. Em toda história que escrevo, haverá algum traço seu. O amor é mais forte que a dor. Sempre. Mas estou escrevendo-te esta carta porque quero te contar as novidades do lado de cá. Finalmente, estou desenvolvendo meu site com a ajuda da Isolda e definitivamente quero fazer dele meu ganha-pão. Minha profissão de poeta e escritora há de me ser salvadora!
Estou me transportando para o digital para falar dessa vida analógica que levamos, dessa vida que na prática é conta pra pagar e pouco respiro. Eu quero ser respiro, quero “viver da minha arte na praia”. No caso, quero empreender no digital com minhas palavras e fazer do site minha empresa de “comprar o pão nosso de cada dia.” Espero suas bênçãos daí.
No site, terei um espaço para vender meus livros, outro para divulgar outras mulheres escritoras vivas que têm o mesmo sonho que eu. Outro espaço será para anunciar as oportunidades literárias. Também terei um blog no site de textos inéditos: contos, crônicas e poesias. Esta carta será o meu primeiro texto do blog. Assim como a primeira poesia dedicada a você, agora te dedico o meu primeiro texto do blog do meu novo empreendimento. Esse é o meu modo de demonstrar o meu amor de filha.
Mãe, também fiz uma música para você. Espero em breve cantá-la e gravá-la. São muitas novidades por aqui. São muitas saudades por aqui. São muitos medos por aqui. Mas é coragem que a vida requer da gente, como dizia Guimarães, essa eu aprendi com você ainda criança, quando te via defender vidas e direitos. Tenho um pouco de ti, talvez muito. Vou guardar o que você deixou de bom. Já sei que posso trilhar uma velhice diferente, sem te desrespeitar. Afinal, o amor é tolerante, o amor é calmo e tem o perdão como seu maior aliado. Nos encontraremos um dia, não há que se ter pressa. Apenas fechemos os olhos para sonhar.
Palavras escritas com o coração!!!
Linda carta!!
Parabéns pela declaração de amor....
Lindo, minha amiga!!!
Muito lindoo!