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RITA- Arrependimento

Atualizado: 22 de ago. de 2024



Jerusa Furbino Mae e filha

RITA

 

 

Quem Leônidas pensa que é para aparecer aqui desse jeito? Logo hoje, quando Rita não pode mais reagir. É muita cara de pau, ele vir aqui, como se fosse um bom amigo, como se tivesse algum sentimento por Rita, como se o tempo não tivesse atravessado e dividido o caminho desses dois com uma navalha afiada. É muita petulância! Mas eu vou me segurar. Rita não merece um barraco, não hoje. Pode deixar, amiga, vou observar de longe, cada passo desse palhaço, ver até onde vai sua ousadia.


Conheci Rita no maternal. No primeiro dia de aula do colégio Pequeno Príncipe, a gente se encantou uma pela outra. Estudamos juntas até o fim do Ensino Médio, quando ela, já namorando Leandro Augusto, decidiu se mudar para Belo Horizonte. O motivo oficial era o cursinho pré-vestibular. Ela sempre sonhou em estudar na UFMG, ser uma grande profissional em Publicidade e Propaganda. Mas a verdade é que Leandro Augusto já estava lá, na FUMEC, cursando Engenharia, e Rita não aguentava mais a distância.


O namoro dos dois ia de mal a pior por causa do ciúme de Rita. Ela sempre fantasiava que estava sendo traída, embora o pobre Leandro Augusto só tivesse olhos para ela. Foi na faculdade que surgiu Leônidas, colega inseparável de Leandro Augusto, até o dia em que Rita, de mala e cuia, foi para Belo Horizonte, deixando para trás a pequena Manhumirim.


E agora aqui está ele, Leônidas, de cabeça baixa, como se rezasse para se redimir dos seus pecados. A sala está vazia, só eu de testemunha, sentada na cadeira de vigília ao lado do caixão, onde Rita repousa após perder a batalha contra o câncer de garganta. Leônidas aproxima o seu rosto próximo do ouvido direito de Rita, murmura algo no ouvido dela, segura suas mãos frias e, de repente, beija seus lábios. Quero gritar, fazer um escândalo, condená-lo pelo sofrimento de Rita. Mas, estranhamente, fico imóvel, tão imóvel quanto ela.


Quando Rita descobriu o câncer, ela teve uma recaída e ligou para Leônidas na tentativa de o convencer de que ele ficasse ao lado dela, que ele pudesse voltar atrás nas coisas que disse e pudesse finalmente viver a paixão que os dois mereciam viver. Ele com toda a sua superioridade evolutiva, disse para ela, que as coisas são do jeito que são, e que não se pode concertar o que aconteceu, e que era melhor não mexer nas águas paradas da lagoa para não levantar a lama. Rita viveu apenas seis meses, depois desse encontro. Se já existia um nódulo na garganta, esse encontro serviu apenas para aumentar o nó. Tem dores que a gente só sente depois.


Começo a vislumbrar que talvez ela esteja gostando do tão sonhado beijo e afeto que tanto suplicou desse pulha que está agora na minha frente, parecendo um rato acuado e arrependido por nunca ter comido o parmesão deixado em cima da pia.


Se a vida é feita de ironia, eu sei que não estou achando graça nenhuma dessa cena patética que se desenrola diante do meu olhar. Agora o safado está chorando, soluçando. Como pode alguém ser tão imbecil? Rita resistiu às cantadas baratas dele durante anos, enquanto ainda era casada com Leandro Augusto. Mas, depois, não conseguiu mais se esconder da paixão que invadiu cada célula do seu corpo. Jogou fora seu casamento de vinte anos, fantasiando a alegria ao lado desse verme rastejante.


Lembro bem da noite em que Rita, desesperada pela paixão, decidiu finalmente se confessar e foi até a casa dele. Ela planejou cada passo que daria. Dias antes ela comprou um roupão sexy para poder embrulhar seu corpo nu, escolheu um bom vinho tinto seco, se maquiou, perfumou cada centímetro do seu corpo. Repetiu em pensamento a cena que varia, igual muitos filmes clichês, aonde a mulher chega na porta do amado, tira o roupão e se arde na brasa da paixão.

Com toda cena devidamente fantasiada, ela se nutriu de coragem e esperança e foi. Quando ele abriu a porta, ela se despiu do roupão, oferecendo-se por completo. E o que ele fez? Abaixou-se, pegou o roupão, mandou que ela se vestisse e disse que o que ela queria, nunca iria acontecer, que sua lealdade a Leandro Augusto era maior do que qualquer desejo que pudesse ter.


 A coitada da Rita, murchou e despetalou-se por inteira. Já não tinha o marido, a vida confortavelmente rotineira e previsível de vinte anos de união. Agora, não tinha mais nem a esperança de transbordar em paixão, de se entregar sem medir as consequências, de viver pelos comandos do coração, de se perder sem querer saber o caminho de volta. 

Ninguém entendia como um casamento tão feliz e estável acabava assim, daquela maneira, da noite para o dia, sem brigas, com filhos sem traumas e um bom acordo na audiência de conciliação.


Somente eu e o terapeuta de Rita, sabíamos o motivo. Rita se rendeu a paixão platônica produzida aos poucos ao longo de anos. Todas as indiretas de Leônidas vinham acompanhadas pelo largo sorriso que o danado carregava no rosto. Ele realmente era lindo! Além do mais, ele sempre dava abraços longos com elogios ao cheiro dos cabelos longos de Rita e tudo o mais que um melhor amigo pode fazer para destruir um casamento feliz.


Leandro Augusto sempre soube de tudo, e ainda assim, esteve ao lado dela durante os seis últimos meses. Ele foi o anjo da guarda de Rita, o porto seguro em meio aos balanços da vida.

Enquanto reflito, Leandro Augusto entra na sala, acompanhado dos filhos, Tiago e Vinícius. Graças a Deus, eles não presenciaram o beijo nos lábios roxos de Rita, mas estão vendo e ouvindo o desespero de Leônidas. Quantos anos faz que esses dois, Leônidas e Leandro Augusto, não se encontram dentro do mesmo metro quadrado? Vinte e seis anos, desde que Rita se separou para viver, ou melhor, não viver, sua paixão dilacerante.


Tem água de rio que nunca chega ao mar. Essa é a conclusão, por assim, dizer, poética, que eu tiro dessa história que nunca foi bonita, mas tem em si a sua beleza, pois toda paixão solta faísca, algumas queimam florestas inteiras e se apagam no tempo certo das coisas, outras, insistem em mantar uma chama sempre acessa, na busca desenfreada de achar felicidade onde não tem.


 A única coisa que eu sei, é que Rita amou demais. Amou tanto Leandro Augusto, que preferiu deixá-lo para não vê-lo sofrer por sua escolha de desejar o seu melhor amigo. Amou tanto, Leônidas, que foi capaz de largar Leandro Augusto, para viver a sua paixão. Não existe saída para a paixão quando ela cruza e corta o seu caminho. Com Rita não seria diferente, a sorte dela, é que apesar de tudo, Leandro Augusto nunca a abandonou.


Rita teve seis namorados, depois do divórcio, era preciso esquecer Leônidas. Ela jurava para mim que não pensava mais nesse descarrego em forma de gente. Mas no dia em que ela descobriu o câncer e foi atrás dele, com os seus sessenta e sete anos, na tentativa de fazer os ponteiros do tempo retrocederem ao ponto que pararam no dia em que ela estava linda e nua na diante do arfante à minha frente. Eu percebi que Rita, guardou a fagulha da paixão acessa durante todos esses anos, e isso se transformou em seu câncer de garganta. Ela nunca engoliu a rejeição, penso que ela sonhou por todos esses anos, com o beijo que hoje o estrume finalmente deu em seus lábios.


Os netos de Rita chegam, trazendo uma certa leveza ao ambiente, me liberando das reflexões sobre a paixão não vivida da avó deles com o arrependido. Só as crianças são inocentes; depois de adultos, a vida logo trata de nos corromper com nossas dores, que tentamos esconder em algum canto do coração. Sempre existe uma dor que não queremos olhar.

Aproximo-me de Leônidas, chego ao pé do seu ouvido e falo: "Você não acha que é tarde demais para se arrepender? Enxugue essas lágrimas levianas e vá embora. Deixe aqui apenas quem realmente amou Rita."


Ele me olha, buscando uma resposta, mas nada que ele diga mudará o fato de que Rita está deitada, com um ar de paz, sem precisar mais de nenhuma paixão para ser feliz. A morte é uma bênção para quem vai. E eu, não vou deixar o petulante se sentir confortável no dia da morte da minha amiga. Rita não merece arrependimento agora. Rita só merece amor. E isso, ela sempre teve de mim, dos seus filhos e de Leandro Augusto. Ah, e dos seis namorados também, que agora seguram as alças do seu caixão.

 

1 comentário


Michelle Karina de Oliveira
Michelle Karina de Oliveira
05 de set. de 2024

Mas apesar de tudo, Rita amou com verdade e intensidade. Ela viveu mais do que eles talvez...

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JERUSA ALVES FURBINO DE FIGUEIREDO
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